terça-feira, 6 de abril de 2010

Chuva no Rio: relato de uma noite no caos

Foto: Gabriela de Freitas

Os ônibus sumiram, os trens pararam, os carros boiaram e as pessoas se tornaram peças de um tabuleiro inundado. O cenário lembrou o filme Guerra dos Mundos: assaltos, veículos no sentido contrário, na calçada. Motoristas subiram nos tetos, aliviados por estarem vivos e desiludidos pelo carro, que virou lixo. Vivi sete horas que estarão para sempre na memória.

Saí da redação do Extra, na Rua Irineu Marinho, às 20h30m desta segunda-feira. Os alagamentos já haviam começado, mas precisava chegar a Madureira, para uma aula em uma universidade particular, na Estrada do Portela. Da porta do prédio do jornal até a Central do Brasil – afinal, o trem era a única coisa que podia se movimentar àquela altura – passaram-se 50 minutos. Na plataforma, centenas de pessoas aguardavam, atônitas, pois o ramal Saracuruna estava inundado, na altura da Favela do Jacarezinho.

Entrei em um dos vagões lotados da composição destinada a Japeri. Desci na estação Madureira e corri para o shopping, onde funciona a universidade. Poucos alunos estavam presentes e a ordem era liberá-los o quanto antes para possibilitar o seu retorno. Que retorno? No ponto, ficamos três mulheres e eu, das 23h até 0h30m, aguardando o 254 (Madureira-Praça XV) que nunca chegaria. Um ônibus até encostou, mas impediu a entrada dos passageiros: "Vamos recolher pra garagem", disse o motorista.

Desistimos do 254 e andamos, debaixo do temporal que voltara com muita força, até a Rua Carolina Machado, esperando um milagroso 638 (Marechal Hermes - Praça Sans Peña) que nos levaria até a Tijuca. Tijuca... a essa hora estava coberta pelo Rio Maracanã, que ignorou as margens e tomou as pistas. Nada de ônibus. Foram recolhidos. E a população, abandonada. A placa da kombi indicava Jacarezinho, mas o cobrador logo gritou: "Só até o Norte Shoppping, hein."

Assim, meu celular avisou que 1h já era passado e eu ainda estava na Avenida Dom Helder Câmara. Dali pra frente, duas opções: vans em direção ao Jacarezinho – Esquina do Medo, tô fora – ou táxi. Fiz sinal para mais de dez. Um parou e perguntou: "Pra onde?" Respondi: "Tijuca" Ele replicou: "Se me falar como eu chego lá sem boiar, te levo por R$ 70." Não sabia nem tinha esse dinheiro. Às 2h, o taxista Alberto estacionou, quase no canteiro que divide as duas pistas, e topou o desafio de me levar até a Rua São Francisco Xavier, entre a Tijuca e o Maracanã.

Rompendo correntezas, chegamos até a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). As ondas fizeram o Meriva parar. A corrida saiu por R$ 20 e o agradecimento será eterno. Faltava cerca de meio quilômetro até a porta do meu prédio, também conhecidos como 500 metros estilo livre. Com água entre a cintura e o peito, nadei – ou pulei, sei lá – de um poste até um carro, na Rua Eurico Rabelo. O motorista estava em cima do Citroen C3 e abriu a porta para que eu pudesse agarrar. Cheguei. Passei pela porta do edifício às 3h. Abri a mochila, minha boia por uma noite, e peguei meu celular. Já era. Minha mulher só conseguiu registrar a água invadindo a nossa garagem.

Parece que a cidade iria se desmanchar: gente morta, desesperada, empurrada pelo lixo. Gente aproveitando a imobilidade da maioria para roubar, como no arrastão de pivetes na São Francisco Xavier, altura da Uerj. O Rio precisa de ajuda.